~De todas as venturas que lentamente me abandonam, o sono é uma das mais preciosas, embora seja das mais comuns também . Um homem que dorme pouco e mal, apoiado sobre dezenas de almofadas, medita com vagar sobre essa volúpia diferente. Concordo que o sono mais perfeito é necessariamente um complemento do amor: repouso tranquilo refletido sobre dois corpos. Mas o que me interessa aqui é o mistério específico do sono saboreado por si mesmo, o incontrolável e arriscado mergulho a que se aventura todas as noites o homem nu, só e desarmado, num oceano onde tudo é novo: cores, densidades , o próprio ritmo da respiração, e onde reencontramos os mortos.
O que nos tranquiliza no sono é a certeza de que dele retornamos , e retornamos os mesmos, já que uma estranha interdição nos impede de trazer conosco o resíduo exato de nossos sonhos.
Outra coisa nos tranquiliza ainda: é que ele nos cura temporiamente da fadiga pelo mais radical dos processos, isso é arranjando para que cessemos de existir durante algumas horas.~
do adorável
~Memórias de Adriano ~
de Marguerite Yourcenar
traduzido por
Martha Caldearo
Primavera de 1980
Editora Nova Fronteira
Penso que Jung iria amar ler isso, ressalvando apenas a parte
quando ele diz que voltamos os mesmos.
Pois o seu ~Livro Vermelho~ nos ajuda
a embarcar nessa viagem de dialogarmos com nosso inconsciente.
Lugar que o sono tem um encontro marcado todas as noites.
Adentremos por essa imensidão...
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