Tanto minha experiência médica como minha vida pessoal colocaram-me constantemente diante do mistéro do amor e unca fui capaz de dar-lhe uma resposta válida. Como Jó, tive que tapar a boca com a mão: " Prefiro tapar a boca com a mão . ---Falei uma vez... não repetirei; ---duas vezes ... eu ... nada acrescentarei." Trata-se do que há de maior e de mais ínfimo, do mais longíquo e do mais próximo, do mais alto e do mais baixo e nunca qualquer um desses termos poderá ser pronunciado sem o seu oposto. Não há linguagem que esteja à altura deste paradoxo. O que quer que se diga, palavra alguma abarcará o todo. Ora, falar de aspectos particulares, onde só a totalidade tem sentido, é demasiado ou muito pouco. O amor (a caridade) " desculpa tudo, acredita em tudo, espera tudo, suporta tudo" (I Coríntios XIII, 7). Nada se poderá acrescentar a esta frase. Pois nós somos, no sentido mais profundo, as vítimas, ou os meios e instrumentos do " amor" cosmogônico. Coloco essa palavra entre aspas para indicar que não entendo por ela simplesmente um desejo, uma referência, uma predileção, um anelo, ou sentimentos semelhantes, mas um todo, uno e indiviso, que se impõe ao indivíduo. O homem, como parte, não compreeendo o todo. Ele é subordinado a ele, está à sua mercê. Quer concorde ou se revolte, está preso ao todo, cativo dele. Depende dele, e sempre tem nele seu fundamento. O amor, para ele, é luz e trevas, cujo fim nunca pode ver. " O amor (a caridade) nunca termina", quer o homem "fale pela boca dos anjos" ou prossiga com uma meticulosidade científica, nos últimos recantos, a vida da célula. Poderá dar ao amor todos os nomes possíveis e inimagináveis de que dispõe; afinal, não fará mais do que abandonar-se a uma infinidade de ilusões. Mas se possuir um grão de sabedoria deporá as armas e chamará ignotum per ignotius (uma coisa ignorada por uma coisa ainda mais ignorada), isto é, pelo nome de Deus. Será uma confissão de humildade, de imperfeição, de dependência, mas ao mesmo tempo será o testemunho de sua liberdade de escolha entre a verdade e o erro.
Carl Gustav Jung
em
Memórias, Sonhos, Relexões
Editora Nova Fronteira
2006- Segunda Edição
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