liComo sempre um adorável texto da linda Helena Beatriz Pacciti.
Para situações novas, palavras novas.
Elas são os signos, as defesas, os projetos.
(Jean-Paul Betbèze)
Valéria, 4 anos e vaidosa desde sempre, foi dormir com a vovó porque adora os cafunés que ela faz. Aí falou baixinho: “Vovó, você é tão carinhosa…” Vovó se derreteu e replicou: “E você, minha netinha, o que você é?”
“Ah…” (Valéria muda o tom de voz) “…eu sou batonzeira, esmalteira e maquiadeira!”
Não só as crianças inventam palavras, embora elas sejam as campeãs na modalidade. Todos inventam. Às vezes por capricho, necessidade literária, simplificação, criatividade ou desconhecimento. Uns são mesmo geniais, outros infelizes. Uns inventam mais e outros menos.
Inventamos palavras quando as que existem já não nos bastam. Talvez sintamos necessidade de escolher os termos que julgamos mais adequados para expressar determinado pensamento, ainda que isso inclua evocar gírias, vocábulos estrangeiros, expressões regionais e até mesmo formas condenadas pela língua culta padrão. Ainda que as palavras dos homens nos separem desde a Torre de Babel, volta e meia procuram harmonizar-se, preferindo a convergência à colisão.
As palavras são mesmo um encantamento. Haja vista a quantidade de textos a elas dedicados. Só aqui me lembro de crônicas de Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Luis Fernando Verissimo e Rubem Braga.
Outros preferem neologismos, como o fizeram Guimarães Rosa, Graciliano Ramos, Oliver Wendell Holmes, Santos Dumont, Sir Francis Galton , Goethe,Thomas Huxley, John W. Campbell, William Gibson, Montaigne, Gelett Burgess e Mia Couto (parte desta lista me foi lembrada pelo jornalista Braulio Tavares).
Às vezes surgem diante de nós palavras novas, mas que já são velhas, velhas. É que antes faziam parte da nossa coleção de ignorâncias. Como por exemplo, a palavra xibolete.
Calma. Também pensei que fosse palavrão. Felizmente, segundo o professor Claudio Moreno, significa apenas “um tipo de senha lingüística que identifica os componentes de uma comunidade, assim como a impressão digital identifica o indivíduo… (segue exemplo) …Ora, talvez o xibolete mais evidente do Português seja exatamente o ditongo ão, como já tinha notado Monteiro Lobato no seu Emília no País da Gramática (aliás, não por acaso, foi exatamente esse o ditonguinho que o Visconde de Sabugosa seqüestrou e que acabou sendo salvo por artes da astuciosa boneca).” Xibolete, pois.
Há palavras velhas que eu chamo de “velhas-novas”. São usadas com tanta frequência que se esquece o sentido original. Quem nos re-desvenda seu significado é a Etimologia.
Uma vez, recém formada no curso de Medicina, me apaixonei pela palavra amador. Não simplesmente o que eu conhecia como o antônimo de profissional, mas a que designava a “ pessoa que faz determinada atividade não por oficio, técnica ou conhecimento, mas por amor’. Foi uma revelação.
Ou seja, já não bastava ser profissional – tinha que ser amadora! Não bastava praticar uma arte ou ciência com destreza – tinha que ser agradável, demonstrar delicadeza e simpatia em falas, gestos e comportamentos. Tinha de estar enamorada. Tinha que amar. Foi uma grande motivação e inspiração para vida toda.
Quando novas palavras surgem, a mente começa a caminhar rapidamente por ruas de alguma cidade imaginária. Embora os jardins, as grades das janelas e casas pareçam familiares, sabemos que nunca estivemos lá antes. A surpresa nos obrigará a reaprender.
Palavras novas desafiam e nos levam a uma deliciosa tensão, a mesma quando visitamos pontos turísticos e observamos simultaneamente os velhos cartões postais do lugar. A pracinha é a mesma, mas na foto antiga há o chafariz no lugar da rampa de skate. O toldo da mercearia no lugar do arranha-céu. Crianças brincando na rua ao invés da passarela de vidro.
As palavras são para ser assim, velhas e novas: conforto passageiro, e o questionamento – eternamente insolucionado.

Comentários